terça-feira, 15 de abril de 2008

Jangadeiros.

Thiago Turbay Freiria
“Nosso povo leva a vida assim ó, ficamos até japonês de forçar a vista para marcar o morro. Pescador marca o cardume no alto mar mirando o morro.” A força da precisão é incrível para os olhos desacostumados. Assim a pesca declara sua previsão de oferta, olhando as encostas dos morros, de longe assim, quando a malha escura fermenta lá em baixo é que o pescador marca sua trajetória. Tem peixe crescido mais que a jangada.
A bravura é o destemido, nenhum ato heróico acontece sozinho. Sempre na jangada a promessa é mútua, mas a volta, nem sempre certa. “Volta e meia cai pescador no mar; tem pescador que dá volta (enjôo). Se pegar uma corrente embaixo ele vai embora com o mar, não tem como voltar.” Todo preço tem uma escapada, tem gente que pesca e vive, tem gente que é o contrário, na palidez amoitada pela carcaça de sol, vive para pescar. No mar as coisas encontram o dever que propuseram sem pestanejar. O mar ora é manso, ora vira zangado. O pescador também controla o humor. O peixe, então, às vezes, chega certo que o destino é algum prato, outros mais determinados, não se entregam.
“Otro dia, na vez de umas duas semanas pra traz, eu estava no mar, eu mais um primo, caçando um Camurupim e engastalhou uma baleia, eles na cidade chamam de Jubarte. Ela tem uns dedos, aquilo engastalha na jangada, se eu não tirava a corda ela virava a gente”. Tem peixe sabido, que aprendeu com o homem: tudo que a gente fala na jangada é audível no fundo, com o som traduzido pela língua deles. A ameaça não é o pescador, os peixes sabem disso, ainda que esperem a vida acabar pela natureza. Mas sempre há complacência, tem dia que o peixe ganha, outro a jangada é quem sai vencedora. " Eu já vi papai pegar Panan( tubarão-martelo) que a manca dele fazia sombra até na jangada. Se não segurar firme ele corta você todo. Quando alguém pega tubarão aqui, a gente toda vai ajudar, por que sabe que ele tirou sorte grande. De primeira tinha muito aqui, tinha um matador que jogava aquela resteira no mar, agora sumiu. É difícil, quem não é pescador não entende o mar.”
A vida ensina aos que prezam pelas suas aulas. Quem tem um olhar atencioso e boa memória, sabe aquilo que digo. Tem gente sabida sem conhecer livro, mas lê quando o vento sopra, quando o mar calado grita de raiva. Enfrentar quem é o mais forte pode ser sinal de persistência, mas não é de força e bravura. Consentimos que a necessidade é que rompe esse laço e lança homens já salgados nas ondas luminosas, pisando entre um filete de água e algumas tábuas crivadas nas bordas de um isopor. Adiante, o mar e o jangadeiro começam sua prosa, até que para alguns, ele, soberano, determina a volta pela maré; outros, ele prende lá até dar devido respeito. A jangada é o ponto de encontro do mar e do pescador, onde um senta para ouvir o outro conversar. “Tem dia que a jangada vira de noite e a gente tem que esperar o dia clarear para desvirar. Não entra água nela não, é igual copo quando você vira ele pra baixo numa bacia de água. Eu gosto mesmo é de estar no mar. Prá mim, quem balança é a terra”.
P.S: Agradeço imensamente a cautela com que ouvi essas histórias, aos contadores que me ensinaram. De hoje para frente minhas preces chegarão para todos os jangadeiros. Ao João (amigo de infância) e ao Bolinha da Prainha-CE, meu agradecimento eterno.

Nenhum comentário: